EDITORIAL

A Revista Terra Livre chega a sua edição de número 54 com muita alegria e resistência, disponibilizando aos seus leitores e à toda comunidade acadêmica artigos, notas e resenhas que versam sobre os diversos temas da atualidade em que o foco é a Geografia e suas múltiplas formas de entendimento e debate.

A Terra Livre vem, desde sua criação em 1986, tentando cumprir a função de contribuir com os debates do campo da Geografia. Criada por uma demanda da entidade de se voltar às questões externas à entidade, à “transpor os muros da ‘comunidade geográfica’ ”1, a publicação cumpre o seu papel de fomentar os debates dos mais diversos temas desta disciplina que é tão vasta. Naquele momento, processo de fim da ditadura civil-militar que assombrou o Brasil por aproximadamente duas décadas, a Associação das(os) Geógrafas(os) Brasileiras(os) (AGB) julgou em suas Reuniões de Gestão Coletiva (RGC) que era necessário dialogar com as pautas das lutas sociais, e hoje, 34 anos após a primeira edição da Terra Livre, essa afirmação ainda se faz verdadeira.

Essa edição foi inteiramente executada durante a primeira pandemia da era globalizada, causada pelo novo coronavírus. Notamos um aumento da submissão de textos de caráter científico, e destacamos que essa produção foi protagonizada por sujeitos do sexo masculino, evidenciando uma face segregadora que a pandemia acabou revelando na sobrecarga de atividades das pesquisadoras do sexo feminino junto as obrigatoriedades sociais e familiares, o que consequentemente diminuiu a produção acadêmica das pesquisadoras.

Nesta edição também retomamos a elaboração das capas da Terra Livre, algo que desde o número 42 (2014) havíamos perdido. A capa desta edição tenta trazer um pouco do que foi o sentimento de organizar uma revista científica em meio à uma pandemia. O símbolo do novo coronavírus como um sol que nasce em meio aos destroços do mundo em ruínas, e nós nos sentimos solitárias como únicas combatentes, o que parece diluir quaisquer esperanças de transformar ou compreender o mundo. Entretanto, notamos através da grande procura de autores em contribuir com a Terra Livre que não estamos sós nessa luta contra o fascismo, e seguimos comprometidas em contribuir com a construção da ciência geográfica de forma crítica e em diálogo com as demandas sociais.

O ano de 2020 está sendo marcado pela pandemia da COVID-19, uma doença causada por um vírus com elevadas taxas de contágio, com difícil diagnóstico e sem cura até o momento2. O isolamento social foi a medida considerada mais efetiva no controle da pandemia, a melhor alternativa para diminuir os contágios e não sobrecarregar ou até mesmo colapsar o Sistema Único de Saúde (SUS), principal ator na luta contra a doença no Brasil. Essa medida foi tomada em diversos países, e vem se mostrando efetiva apesar de o número de casos confirmados da doença ainda crescer diariamente. No Brasil, entretanto, o presidente da república Jair Bolsonaro (sem partido) se mostra contrário à medida, pois argumenta que é prejudicial à economia: lojas fechadas, menos pessoas circulando na rua comprando e vendendo. Quando atingiram pouco mais de 5.000 mortes confirmadas no país, a declaração do presidente foi “e daí”3. Até o fechamento desta edição já foram registradas aproximadamente 140 mil mortes em todo território nacional.

Não apenas em relação à pandemia é notável o descaso do presidente, os ataques à ciência e à produção do conhecimento são constantes em sua gestão também, o que não poderia deixar de refletir nas publicações científicas. O discurso “anticiência” vem crescendo no país, e isso somado aos requisitos de produtividade na academia tornam o fazer ciência um desafio cada vez maior. Buscamos, na Revista Terra Livre, divulgar a produção científica da Geografia brasileira priorizando os diálogos com as pautas em voga na sociedade, objetivo da revista desde sua criação.

Desde sua 51a edição, a Revista Terra Livre passou a ser publicada em chamadas livres, exceto em anos de realização de encontros nacionais da AGB em que haverá um número dedicado ao tema do evento. Sendo assim, esta é a segunda edição do periódico com a temática livre, e os artigos aqui contidos demonstram os temas debatidos pela Geografia brasileira em sua amplitude.

Nesta edição, organizamos os textos em quatro seções de seis blocos temáticos, composta por vinte e dois artigos, um texto produzido no âmbito do Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da AGB Niterói e Rio de Janeiro, uma nota e duas resenhas. Os mesmos estão divididos nas seguintes temáticas: “Perspectiva geral” contém os artigos que versam sobre os debates em escala mais ampla: a crise do capital e perspectivas de estudos sobre a Geografia Cultural. O segundo bloco aborda a temática das “Políticas e planejamentos” no território brasileiro e depois, temos o bloco da temática “Agrária/comunidades tradicionais” em que se demonstram os conflitos e resistências ligados mais especificamente ao campo brasileiro. Para finalizar os artigos, o bloco “Ensino” é composto por textos que discutem as possibilidades e as mudanças que o ensino de Geografia no Brasil vem enfrentando.

Por último, apresentamos uma seção de “Notas/ homenagens”, com um texto que discute a relação entre a Geografia e o Materialismo Histórico Dialético, com um texto de autoria conjunta de William Rosa Alves (in memorian) e José Gilberto de Souza. A publicação se realiza em homenagem ao amigo, companheiro de luta, quadro efetivo da AGB, que faleceu 01 de julho 2013. Ressaltamos que uma primeira versão deste texto foi publicada com o título “A Geografia e o Método: o pesquisador entre a janela e a calçada” em 1996. A seção “Resenhas” contém duas resenhas críticas sobre a gestão de resíduos sólidos e a construção de memórias nos episódios de racismo.

Desejamos a todos os leitores e as leitoras uma profícua leitura e aprendizagem desses textos que compõem a edição 54 da Terra Livre e que os mesmos suscitem debates, críticas e reflexões conjuntas da sociedade, por meio de perspectivas geográficas.

Coletivo de Publicações DEN (2019/2020)
Rachel Facundo Vasconcelos
Maria Clara Salim Cerqueira
Lorena Izá Pereira

Para acessar a edição completa clique aqui.

#

Sem comentários

Deixe um comentário

Associação dos Geógrafos Brasileiros | den 2024 – 2026

Av. Prof. Lineu Prestes, 338 – Edifício de Geografia/História, Cidade Universitária
São Paulo/SP | CEP 05402 970