Nota de Repúdio ao PL 1904/2024 – GT de Saúde da AGB

Nota de repúdio ao PL do estupro (PL 1904/2024)

O Grupo de Trabalho de Saúde da Associação das Geógrafas e Geógrafos Brasileiros (AGB) vem a público repudiar veementemente o Projeto de Lei 1904/2024,
proposto pelo Deputado Federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e apoiado por outros 32 parlamentares. Este projeto foi submetido à votação em menos de 23 segundos, sem que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sequer anunciasse o número do projeto. Trata-se de proposição que promove explicitamente a cultura do estupro no Brasil, e ataca os direitos das meninas, mulheres e pessoas que gestam.

A tentativa da extrema direita de equiparar o aborto ao crime de homicídio, com penas de até 20 anos de prisão, mesmo em casos de estupro e risco de vida, representa um retrocesso inadmissível. O projeto de Lei 1904/24, ignora os direitos reprodutivos e humanos conquistados pelas mulheres brasileiras desde 1940. A proposta desconsidera as complexidades e os contextos atrozes enfrentados por crianças e mulheres vítimas de violência sexual, além de criminalizar os profissionais de saúde que realizam abortos seguros e legais.

Em um contexto de guerra contra as mulheres, evidenciado pelos alarmantes números sistematizados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, que registrou 74.930 estupros em 2022, sendo 88,7% das vítimas do sexo feminino e 60% com no máximo 13 anos de idade, sendo a maioria das vítimas de gravidez forçada meninas e mulheres negras. Este projeto agrava a situação ao estabelecer limites mais rigorosos para a interrupção da gravidez decorrente de estupro, restringindo-a até a 21ª semana. A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022), em seu documento “Abortion Care Guideline” (Diretrizes de Atenção ao Aborto), afirma que os limites gestacionais não têm base científica e estão associados ao aumento da mortalidade materna e a piores resultados de saúde. A criminalização severa do aborto não reduz sua ocorrência, mas empurra meninas e mulheres, especialmente as mais pobres, para procedimentos clandestinos inseguros e com alto risco de vida, aprofundando a discriminação social.

A ministra de Estado das Mulheres Aparecida Gonçalves alerta que vivemos “uma epidemia de gravidez infantil”. Segundo os dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), nos últimos 10 anos (2013-2022), a média de nascidos vivos de meninas menores de 14 anos foi de 21.905,5 por ano, ou seja, mais de 20 mil meninas por ano foram forçadas a deixar a infância ou adolescência para viverem a maternidade compulsória, com mais de 70% dessas meninas sendo negras. Estes dados refletem as feridas da colonização e do sistema patriarcal capitalista, articulado com o racismo, que visam controlar os corpos das mulheres e
meninas que gestam.

A realidade geográfica dos serviços de aborto no Brasil é historicamente marcada por profundas disparidades regionais, com uma concentração desses serviços na região Sudeste, refletindo uma desigualdade gritante no acesso aos cuidados de saúde reprodutiva. Mulheres e meninas em áreas rurais e outras regiões enfrentam barreiras substanciais para acessar serviços de aborto seguro, exacerbando as desigualdades sociais e econômicas.

Portanto, reiteramos que o PL 1904/2024 perpetua uma cultura do estupro arraigada na sociedade brasileira, refletindo as cicatrizes deixadas pela colonização e pelo sistema capitalista que se articula com o racismo e a misoginia para controlar os corpos das mulheres.

Exigimos a retirada imediata do PL 1904/2024 da pauta da Câmara Federal. Pedimos que sejam adotadas políticas baseadas em evidências científicas, respeito à autonomia das mulheres e garantia de acesso a serviços de saúde reprodutiva seguros e dignos. O aborto é uma questão crítica de saúde e justiça social que requer um compromisso com a igualdade no acesso aos direitos e serviços em todo o Brasil.

Criança não é mãe! Estuprador não é pai!

16 de junho de 2024
Grupo de Trabalho de Saúde
Associação das Geógrafas e Geógrafos Brasileiros (AGB)

 

 

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