CARTA POLÍTICA DO FÓRUM DE ENFRENTAMENTO AOS IMPACTOS DO EUCALIPTO

 

Fast food, fast wood: os bosques artificiais crescem num instante e vendem-se num piscar de olhos. Fontes de divisas, exemplos de desenvolvimento, símbolos de progresso, esses criadouros de madeira ressecam a terra e arruínam os solos.

Neles, os pássaros não cantam.

As pessoas os chamam de bosques do silêncio.”

Eduardo Galeano.

A Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Três Lagoas (AGB-TL), no final do ano de 2023, por meio do Grupo de Trabalho (GT) “Relação Campo-cidade”, desencadeou um processo de discussão visando fomentar um espaço de reflexão teórica e política acerca dos impactos do monocultivo de eucalipto na região Leste de Mato Grosso do Sul.

O espaço foi denominado pelos participantes de “Fórum de Enfrentamento aos Impactos do Eucalipto”, em razão das evidências que a expansão do eucalipto produziu na realidade, após uma década da consolidação do agronegócio celulósico na região.

Importante destacar que a consolidação do agronegócio eucalipto-celulose se fez em aliança com os proprietários fundiários tendo a participação ativa do Estado, desde a esfera municipal à federal, via isenções fiscais, vantagens creditícias e flexibilização ambiental, ancorada na bandeira ideológica do desenvolvimento “sustentável”, hoje, metamorfoseado de economia verde e sustentado no negócio das certificações.

O período da formação no leste do MS do agronegócio eucalipto-celulose se inicia em 2007, quando se oficializa a troca de ativos entre a International  Paper/IP e a Votorantim Papel e Celulose/VCP. Em 2009, este processo se consolida com a entrada em operação da fábrica “Horizonte 1” em Três Lagoas – que articula plantio de eucalipto e processamento da celulose, neste momento sob controle da ex-Fibria (atual Suzano). Em 2012, entra em operação também no município de Três Lagoas outra agroindústria de celulose, controlada pela empresa Eldorado Brasil. Em 2017, nova expansão da produção de celulose, com a entrada em operação do projeto “Horizonte 2”, da ex-Fibria. Segundo o site destas empresas, este investimento alavancou na região a capacidade de produção de celulose: a Eldorado Brasil produz, hoje, 1,8 milhão de toneladas de celulose/ano; as duas fábricas da Suzano, produzem 3,25 milhões de toneladas/ano. Esta intensificação da produção de celulose exigiu expansão rápida da monocultura do eucalipto; em uma década a área plantada no estado saltou de 207.687 ha (em 2007) para 1.117.740 ha (em 2017).

A eucaliptização do leste do MS em velocidade acelerada, como mostram os números, tem relação com a publicação da Resolução n.17, de 20 de setembro de 2007, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, das Cidades, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC), que dispensou o licenciamento ambiental das atividades de plantio e transporte de espécies florestais. Portanto, desde a publicação desta Resolução, para plantar eucalipto em Mato Grosso do Sul basta enviar o relatório de planejamento ao Instituto do Meio Ambiente do Estado, com informações como quantidade e local da plantação. A  consequência desta flexibilização ambiental foi/é a supressão da vegetação e a expansão de eucaliptais por vários municípios do Bolsão-MS (KUDLAVICZ, 2011). A consolidação desta flexibilização ocorreu em 2015, quando o governo do estado lançou o Manual Licenciamento Ambiental, resultante da Resolução n.9, da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico (A SEMADE, substituta da SEMAC), de 13 de maio. Esta Resolução não exige licenciamento ambiental para o plantio de eucalipto e prevê somente a Autorização Ambiental para supressão de vegetação nativa.

Os municípios com maior área plantada de eucalipto no país estão localizados no leste do MS: Três Lagoas (263.970 mil/ha), Ribas do Rio Pardo (250.624mil/ha), Água Clara (128.496 mil/ha), Brasilândia (134.125 mil/ha) e Selvíria (91.884 mil/ha) (IBGE, 2022). Em razão desta hegemonia territorial no plantio de eucalipto e na produção de celulose, desde 2021 Três lagoas passou a ser propalada como a “capital nacional da celulose” – quando, por meio da iniciativa da então senadora Simone Tebet, foi aprovada a Lei 14.142, de 2021, oriunda do PLS 178/2016, que conferiu o referido título à cidade de Três Lagoas.

No cenário nacional, após pressão da bancada ruralista, a flexibilização ambiental para a monocultura do eucalipto também virou realidade. Em maio último, o presidente Lula sancionou a alteração na lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/81) que exclui a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras, liberando o plantio de eucalipto do licenciamento ambiental e desobrigando o pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA) para a produção de celulose. A perda de controle social via extinção de licenciamento pavimenta o caminho para o negócio da silvicultura acumular mais dinheiro e controle sobre a terra, como já ocorre em Mato Grosso do Sul: via produção de celulose para o mercado mundial e de crédito de carbono, em que a plantação comercial de árvore é desenvolvida para a compensação de carbono.

O que já se sabe sobre os impactos da monocultura de eucalipto é suficiente para questionar leis que promovem a flexibilização ambiental para plantio de eucalipto e para colocar a sociedade em alerta em defesa da vida num cenário de liberalismo comercial, pois estamos falando de uma atividade monocultora que tem como finalidade o comércio, cujo manejo convencional é baseado em agrotóxicos e fertilizantes químicos, com uso intensivo de água no plantio e na produção da pasta de celulose, e por se tratar de monocultura, produz simplificação da natureza levando a perda de sociobiodiversidade, o que resulta em desequilíbrio da flora e fauna e expulsão de agricultores.

Esta situação de crise se agrava porque a expansão do agronegócio eucalipto-celulose no MS não ocorre num espaço vazio de gente, ao contrário. Mesmo sem domínio hegemônico da terra, uma vez que aqui sempre predominou o latifúndio, há na região leste outros modos de vida, cuja lógica não está assentada na terra-mercadoria: temos comunidades rurais, assentamentos de Reforma Agrária e de Crédito Fundiário. Ainda há uma Terra Indígena localizada em Brasilândia-MS, da etnia Ofaié, ocupada por cerca de 100 pessoas. Portanto, contraditoriamente, frente à lógica de expansão do agronegócio eucalipto-celulose que monopoliza o território, temos também comunidades camponesas na luta pela r-existência e permanência da pequena unidade de produção familiar que sofre os impactos da monocultura. E os impactos não se restringem ao campo, a cidade também vive a produção desta desigualdade social e territorial que se reflete, sobretudo, na especulação imobiliária que penaliza as camadas mais pobres.

O que este Fórum traz para o conhecimento e debate junto a sociedade é justamente o impacto do encontro destas lógicas distintas de uso da terra. Estes impactos foram sistematizados por um conjunto de pesquisadores críticos e também pelos sujeitos que diretamente vivem nas áreas próximas à monocultura do eucalipto. Neste sentido, já está evidenciado que não é possível a harmonia territorial entre estes diferentes usos da terra: o familiar e o mercadológico. O repetido discurso de sustentabilidade do agronegócio eucalipto-celulose de preservar bacias hidrográficas, recuperar espécies da fauna e flora em extinção, não trata das denúncias de impactos vivenciadas pelos camponeses como desaparecimento de lagoas e nascentes, destruição de roças por ataques constantes de animais famintos, desmatamento de áreas de cerrado, pulverização área e mortandade de abelhas.

Diante de um cenário que é de crise agrária, climática, ambiental, enfim, civilizatória, é essencial ter posição crítica para denunciar a falta de limites ao capital, que, aliás, vem de longa data, de forma mais precisa desde 2011 quando a AGB-TL – juntamente com outras entidades, organizou, em Três Lagoas, o “I Simpósio sobre a formação do complexo celulose-papel em Mato Grosso do Sul”. Ocasião em que o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, na palestra de encerramento, nos deu o alerta acerca do desencontro “entre a capacidade crítica que temos e a capacidade histórica de força produtiva de história enquanto movimento vivo”, enquanto mobilização popular.

Hoje, o Fórum representa a luta de superação deste desencontro do passado. Sem dúvida, este Fórum representa a materialização da aliança entre as resistências teórica e política contra os impactos do eucalipto.

Quebrando os silêncios, enfrentamos!

Três Lagoas-MS, Inverno de 2024.

 

 

 

Clique aqui para acessar o portal do Fórum de Enfrentamento aos Impactos do Eucalipto

 

 

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