Geógrafos(as) de todo Brasil acompanham com consternação e preocupação a brutalidade da tragédia socioambiental provocada pela petroquímica Braskem (Novonor, antiga Odebrecht, e a Petrobrás), que vem fraturando e aterrorizando a cidade de Maceió, capital de Alagoas, desde 2018.
O crime representa uma expressão do racismo ambiental regional, que destinou para regiões de menor renda e com população mais pobres empreendimentos poluidores e de risco à vida. E ainda após o desastre consumado, os modos e mecanismos de negociação e reparação são ainda piores do que os vistos em desastres da mineração na Região Sudeste, por exemplo. As faces do racismo regional se expressam no descaso e na lentidão do poder público, em acordos de reparação injustos por parte destes mesmos agentes, e de uma mídia que invisibilizou a destruição provocada, o desespero das famílias e de pequenos empresários por reparação na capital alagoana.
O afundamento de cinco bairros da cidade, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto, Mutange e Farol, por conta da subsidência das minas de Salgema da empresa, já removeu quase 60 mil pessoas até agora. Os últimos acontecimentos neste final de 2023, obrigaram à realização de novas remoções forçadas, demonstrando que ainda não se sabe a extensão das desterritorializações e esvaziamentos urbanos de novas áreas para o futuro.
O crime vem se expandindo sobre o tecido urbano, com a incorporação cada vez maior de bairros e pessoas ao longo dos anos. São diferentes grupos de atingidos: moradores deslocados; moradores isolados na borda da área de risco; pequenos comerciantes e prestadores de serviços e seus trabalhadores que perderam seus empreendimentos e fonte de renda; pescadores e marisqueiras da lagoa Mundaú que estão impedidos de trabalhar; e o conjunto da população de Maceió que sofreu perdas materiais e simbólicas com a perda de parte da cidade em que vivem e onde muitos cresceram, viveram e produziram histórias e geografias. Toda a nossa solidariedade e apoio aos atingidos pelo crime da Braskem.
Os deslocados pelo risco de desabamento de suas casas são atingidos e, por isso, precisam ser reparados justa, integral e rapidamente. Os acordos que estão em curso são injustos e desiguais, sendo controlados pela empresa causadora do dano ambiental e social, vulnerabilizando os atingidos no ato de negociação e atendendo aos interesses corporativos de gastar menos com os processos de reparação.
Os moradores nas faixas próximas aos desastres, que não foram removidos, clamam por uma solução para sua situação. Hoje se encontram isolados, sem transporte público, serviços públicos, sem serviços de alimentação e comércio, vivendo em condições difíceis de segurança e serviços. Esses ainda vivem com medo de suas casas estarem em áreas de instabilidade ou de que, do dia para noite, tenham que sair correndo e abandonar tudo, como aconteceu agora com cinco mil famílias.
Os efeitos, porém, são sentidos por toda a população e cidade de Maceió. Há efeitos na mobilidade urbana. O desastre continuado afetou a circulação do VLT e a mobilidade urbana na cidade, o que impede a circulação dos indivíduos. O deslocamento dos moradores dos cinco bairros para novos bairros também produziu efeitos no mercado imobiliário, afetando o preço da terra em outras áreas da cidade e desvalorizando os terrenos nos bairros próximos às áreas do desastre. Diferentes objetos públicos, coletivos e bens históricos foram perdidos ao longo dos últimos anos pelo cercamento e proibições de acesso na cidade.
Existem no subsolo de Maceió trinta e cinco minas, abertas a partir da década de 1970 durante a ditadura empresarial-militar, que apesar de não estarem em operação no momento ainda ameaçam a vida dos moradores e dos trabalhadores da cidade. Não se sabe qual será a extensão dos danos em Maceió. A ampliação contínua do desastre mostra que não há qualquer garantia de segurança para os moradores, que ainda permanecem em suas casas, por parte da Braskem ou do poder público. Além disso, não há transparência quanto aos acordos e negociações em curso e nem mesmo sobre o futuro dos bairros das famílias expulsas de suas casas.
Em nome dos estudantes, professores(as) e geógrafos(as) de todo o Brasil, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) se solidariza e apoia a luta dos moradores de Maceió, em especial dos bairros afetados. Com essa nota, gostaríamos de nos colocar à disposição para mobilizar o conhecimento geográfico em favor da luta por justiça de reparação integral, para a responsabilização dos agentes públicos e privados que permitiram e provocaram a tragédia na vida dos citadinos, e na reconstrução do espaço urbano da capital alagoana.
Brasil, 18 de dezembro de 2023.
Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE)
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