Nota – Pelo fim da necropolítica

Por uma segurança pública que defenda a vida e não faça da morte espetáculo

É com muita tristeza, consternação e indignação que a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) vem a público manifestar seu repúdio à desastrosa, violenta, cínica e ineficaz ação das forças policiais do estado do Rio de Janeiro que, no dia 28 de outubro de 2025, resultou em mais de uma centena de mortes e na instauração do caos e do medo na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se da operação mais letal da história do estado e do Brasil, superando os 111 mortos no massacre do Carandiru. Mais uma manifestação explícita de uma política macabra que arrisca a vida dos cidadãos em nome de uma agenda política que, em termos de segurança pública, já se mostrou incontáveis vezes um total fracasso. 

As forças policiais e o governador do estado do Rio de Janeiro não podem agir ao arrepio da lei. Não podem conduzir ações que se configuram em verdadeiras armadilhas perversas que instauram o pânico e impõem a pena de morte à revelia da lei. O planejamento, a autorização e a execução de ações de forças policiais do estado que promovem assassinatos sumários – sem direito a investigação, inquérito, julgamento – devem ser entendidos como crime de Estado, e não como ações de segurança pública. Ações como estas não combatem o crime organizado. Pelo contrário: inflamam ainda mais uma crise que tem natureza socioeconômica, estigmatizam comunidades e segmentos sociais e preservam os agentes e processos centrais geradores do problema. Diversos estudos e especialistas em segurança pública já explicitaram a ineficiência e insustentabilidade dessa política de morte que promove, de forma perversa e espetaculosa, assassinatos em massa para fins eleitorais, e adia o confronto real,  responsável e consistente ao crime organizado no país – que atualmente se articula em diversas escalas e se comporta como uma grande empresa capitalista – como demonstrou a recente operação Carbono Oculto, do Ministério Público do Estado de São Paulo, escancarando sofisticados mecanismos de lavagem de dinheiro das atividades criminosas do PCC a partir do sistema financeiro. 

Cabe indagar: a insistência em perpetuar uma política fracassada é incapacidade ou falta de interesse real em combater o crime organizado? Quem se beneficia com perpetuação de ações ineficazes, com a continuidade do desastre e a difusão de discursos que naturalizam a barbárie em detrimento da real solução para os problemas de segurança pública no Brasil?

A AGB vem a público manifestar também sua solidariedade às pessoas e às famílias que foram expostas, de forma cruel e irresponsável, a essa violência e terror de Estado, e que precisam lidar com as violências cotidianas geradas pela falta de oportunidades e de condições dignas de vida e de trabalho. Mais uma vez, pessoas não puderam voltar para suas casas, aulas em diversas escolas e universidades foram canceladas, o tratamento de pessoas doentes foi dificultado, famílias foram aterrorizadas e as vidas de milhares de pessoas foram prejudicadas em nome de uma política que, explicitamente, exalta e estandardiza a morte como [falsa] solução.  É crucial condenar tais práticas que naturalizam uma necropolítica e a violação seletiva de direitos fundamentais.

A AGB se manifesta pela defesa inconteste dos direitos constitucionais; pelo planejamento intersetorial e pela adoção de uma postura preventiva como política pública; pelo uso responsável dos recursos do orçamento público; pelo uso da inteligência informada por evidências e direcionada ao desmantelamento das redes criminosas que, inclusive, têm sua força e se estruturam muito antes e além das periferias e favelas. É dessa forma que se combate de modo contundente o crime organizado, sem colocar a população na linha de tiro, preservando o direito à vida, sem espetacularização e uso político da morte.

 

Associação dos Geógrafos Brasileiros

30 de outubro de 2025

 

 

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