Carta aberta da Associação dos Geógrafos Brasileiros para a comunidade geográfica brasileira

Carta aberta da Associação dos Geógrafos Brasileiros para a comunidade geográfica brasileira


A Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), fundada em 17 de setembro de 1934 e constituindo-se numa das mais antigas associações científicas de todo o país, encontra-se às vésperas de completar noventa anos de existência ininterrupta. Desde sua fundação, sempre desempenhou um papel fundamental na produção e divulgação do conhecimento geográfico no Brasil. Sua história é a história de realização de seus eventos – suas Assembleias, Congressos, Simpósios e Encontros, bem como a história dos eventos é também a história da AGB, por consequência da própria Geografia brasileira.

Assim, é com muito prazer que informamos que o andamento dos trabalhos de organização do VIII Congresso Brasileiro de Geógrafos e Geógrafas (CBG) segue a toda força. Dos mais diversos lugares do Brasil, recebemos notícias provenientes da comunidade geográfica em pleno processo de organização para aquele que promete ser o maior encontro da Geografia Brasileira desde a retomada dos eventos presenciais.

O Congresso Brasileiro de Geógrafos e Geógrafas é realizado desde 1954, a cada dez anos. Nos últimos 70 anos a AGB organizou sete edições: 1954, em Ribeirão Preto/SP; 1965, no Rio de Janeiro/RJ; 1974, em Belém/PA; 1984, em São Paulo/SP; 1994, em Curitiba/PR; 2004, em Goiânia/GO; 2014, em Vitória/ES. O CBG, com seu caráter de avaliação e balanço, de ampla mobilização da comunidade científica e de presença diversa dos grandes temas e pautas da sociedade brasileira e debates da ciência, constitui-se num dos mais importantes eventos da Geografia no Brasil. O VIII CBG que será realizado em 2024, terá como tema principal “AGB 90 anos: geo-grafando para construir o Brasil”.

Fundamental frisar que essa grande mobilização só pode ser inteligível como consequência direta de aspectos fundamentais que marcam a Associação dos Geógrafos Brasileiros na sua prática política e institucional desde a reforma estatutária de 1979. De início, a constituição desta entidade, em que às atividades desenvolvidas pelas diversas Seções Locais espalhadas pelo país estão articuladas às ações da sua Diretoria Executiva Nacional, que resulta numa AGB em que geógrafos e geógrafas, estudantes e profissionais, nela participam igualmente com voz e voto, sem a exigência e exclusividade de indivíduos e/ou grupos. O tempo no qual as decisões na AGB eram tomadas por alguns indivíduos isoladamente, felizmente já passou. Estas são características que mantêm esta entidade viva e atuante até os dias de hoje, como movimento e em sua institucionalidade, um alimentando o outro. O segundo aspecto  é seu compromisso com o conhecimento científico geográfico, conhecimento este cujo início e fim é a própria realidade da sociedade brasileira e do planeta em que estamos. A base da atuação profissional da Geografia é aquela que posiciona o necessário rigor teórico conjugado com a realidade concreta. Sua condição ontológica está nas pautas da Geografia constituídas simultaneamente como processo e produto da vida social e natural, não a partir de formalismos abstratos do século passado que não são mais cabíveis diante dos avanços trazidos pelo conhecimento científico e filosófico acumulados no presente. E muito menos ainda a disputa de mero protagonismo, pois o que interessa a AGB são as pautas, as lutas e as possibilidades coletivas de construção das alternativas para uma vida mais justa.

Com este objetivo, a organização do VIII CBG, seus eixos estruturantes (treze eixos temáticos e noventa e cinco eixos decorrentes) e sua programação são o resultado da articulação destes dois aspectos supracitados. A construção democrática (que aqui não se vê reduzida a um mero formalismo representativo, mas como o resultante do encontro por vezes tenso daquilo que é contraditório) e o compromisso com a construção do conhecimento socialmente referenciado da ciência geográfica aparecem visivelmente redigida na programação do CBG, através das Mesas Redondas, ESC, GT, Cursos, Oficinas, Trabalhos de Campo, Plenárias Políticas, Ciranda, etc.

Tudo isso ganha maior ressonância pela conjuntura atual em que o Brasil e o mundo se veem atravessados por uma onda de extrema-direita voraz e autoritária. Geo-grafar o Brasil é fazê-lo no contexto de um mundo marcado por desigualdades e incertezas. O Brasil do ano de 2024, recebeu do passado, sobretudo nos seis anos que se seguiram ao golpe de 2016, uma agenda de desmontes, violência, destruição e negacionismos, erodindo o Estado brasileiro, atingido em suas políticas públicas essenciais, em um modelo de “terra arrasada”, de crise econômica, social, cultural, política e ambiental sem precedentes. Os ataques direcionados aos grupos mais vulneráveis da sociedade brasileira naqueles anos, e mesmo no período atual, são a ferida na carne catastrófica que só pode ser combatida de forma efetiva por meio da ampla mobilização dos setores progressistas. A disparidade econômica, a distribuição desigual de recursos e oportunidades, bem como a discriminação sistemática, foram desafiadas por trabalhadores e trabalhadoras por meio de suas organizações, protestos, manifestações, mobilizações e iniciativas sociais efetuadas nesse cenário de enfrentamentos aos setores dominantes e conservadores.

A construção do Brasil reflete os desafios persistentes e as desigualdades sociais profundamente enraizadas, mas também importantes avanços e significativas conquistas, e para compreender esse processo, é essencial examinar o papel fundamental das ciências, dos diversos movimentos sociais, das associações científicas, dos sindicatos, e do conjunto das lutas sociais.

A posição tomada pela AGB é a de que, neste momento histórico, a Geografia não deve se furtar a estar presente neste movimento de luta contra a barbárie, e por essa razão imperativa, a programação do Congresso – do seu tema, passando pelos eixos temáticos e temas de mesas, por exemplo, buscam ser precisamente a expressão concreta dessa reação para a qual a AGB convoca toda a comunidade geográfica brasileira. A AGB e sua  marcante posição neste movimento de resistência, e se coloca, historicamente, como instituição fundamental  na transformação social no Brasil. Assim, ao longo dos tempos, e em especial nas últimas décadas, a AGB consolidou-se como um espaço plural, democrático e crítico, onde diferentes vozes e perspectivas encontram acolhimento e podem contribuir para a construção de uma geografia engajada com as lutas sociais e os desafios da construção de um Brasil mais justo.

A programação do VIII CBG foi construída a partir de intensos debates baseados na prática democrática das Reuniões de Gestão Coletiva (RGC), onde associados e associadas, através de suas Seções Locais, contribuíram com a qualidade, responsabilidade e compromisso para a construção do Congresso da AGB. Ao longo dos últimos meses foram diversas reuniões – presenciais e virtuais, com a participação de várias dezenas de associados e associadas, que resultaram naquele que desejamos ser o mais importante e expressivo evento da Geografia brasileira desde a pandemia da COVID-19. Esperamos muitas centenas de trabalhos, dezenas de oficinas e minicursos, e dezenas de ESC organizados pelos mais diferentes grupos de pesquisa do Brasil. Também esperamos participação marcante nas mais de vinte mesas redondas organizadas onde teremos a presença de intelectuais de todas as regiões brasileiras, de quase todos os estados da federação, onde a diversidade de gênero, étnico racial e geracional foi buscada e alcançada, além da presença de quase uma dezena de representantes de diferentes movimentos sociais, e cujos temas foram definidos a partir das necessárias e urgentes pautas da sociedade brasileira, que exigem de nós compreensão, amadurecimento e qualidade de intervenção, para além das superadas dicotomias.

O VIII CBG também será um momento de celebração e de muitas homenagens, onde destacamos a mesa de abertura, com homenagem aos diversos ex-presidentes e ex-presidentas da AGB, e as imprescindíveis lutadoras e lutadores de movimentos sociais de São Paulo; a mesa de encerramento, que será em homenagem ao geógrafo Aziz Ab’Saber a partir de um diálogo motivado por sua obra e contribuições. Também serão homenageados o professor Carlos Walter Porto-Gonçalves, que será lembrado em uma Jornada com seu nome; e as professoras e professores do curso de Geografia da USP, em razão de seus 90 anos de funcionamento.

Uma vez que a AGB tem compromisso ético com a transparência e a verdade dos fatos, fazemos o convite para qualquer pessoa que visite a página oficial do VIII CBG (www.cbg2024.agb.org.br) e verifique tudo o que se refere ao evento. São o exato produto da construção coletiva de todas as Seções Locais ativas da AGB presentes nas RGCs. Na página do encontro, bem como na página oficial da AGB (www.agb.org.br), atualizadas sistematicamente, é possível encontrar todas as informações necessárias e verdadeiras, sem risco algum de falsidades e fake news.

Por último, reforçamos que o que movimenta a Geografia para a AGB é o projeto por uma sociedade melhor, a partir do conhecimento geográfico. E o CBG é o exato convite para a participação de toda a comunidade geográfica brasileira.
Associe-se à AGB! Participe de sua Seção Local! Construa junto!

São Paulo/SP, 11 de março de 2024.

Clique aqui para realizar o download da carta em pdf.

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