Mais de 2 mil geógrafas e geógrafos assinam Carta aberta sobre a reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Geografia

Com a publicação da proposta preliminar 1 de Diretrizes Curriculares de Geografia que traz uma série de mudanças nos currículos do curso de graduação em Geografia, tanto de licenciatura quanto de bacharelado, a AGB realizou preliminarmente um chamado para que os Grupos de Trabalho de Ensino e Educação das Seções Locais indicassem associadas(os) para contribuir em uma comissão de trabalho cujo objetivo foi a construção de um posicionamento sobre o documento encaminhado pelo Conselho Nacional de Educação e outros materiais envolvendo o assunto.

Em reunião no dia 25 de novembro de 2020, esta comissão encaminhou a realização de uma atividade de leitura crítica da proposta preliminar 1 de Diretrizes Curriculares de Geografia. O objetivo da atividade foi realizar uma leitura conjunta e crítica do documento para que então se redigisse um posicionamento da entidade respaldando a comunidade geográfica brasileira.

Dessa forma, a atividade ocorreu virtualmente na tarde do dia 05 de dezembro de 2020 e congregou estudantes, professores e professoras da rede básica e superior, além de geógrafos e geógrafas profissionais que juntos realizaram a leitura do documento, assim como um intenso debate sobre o documento e as questões político-ideológicas que rondam a proposta em questão.

Após a reunião foi redigido o documento intitulado “Carta aberta da comunidade geográfica brasileira sobre a reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Geografia” e entre os dias 11 e 17 de dezembro de 2020 a AGB recolheu assinaturas de toda comunidade endossando o documento que será enviado ao CNE.

Segue a versão final do documento assinado por 2.443 membros da comunidade geográfica brasileira das mais diversas instituições, entre estudantes de graduação e de pós-graduação, professoras e professores da rede básica e do ensino superior, além de geógrafas e geógrafos profissionais.

Carta aberta da comunidade geográfica brasileira sobre a reformulação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) de Geografia

Somos docentes, discentes e egressos de vários cursos de Geografia de universidades públicas e instituições de ensino superior privadas de todo o Brasil, as quais são responsáveis pela formação de graduandos/as e pós-graduandos/as, de licenciados/as e bacharéis em todo este território.

Foi com grande espanto que tomamos conhecimento, por vias não institucionais, do Edital de Chamamento “Consulta Pública em relação à orientação para as Diretrizes Curriculares de Geografia – Proposta Preliminar 1”, lançado pela Comissão da Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE) em 13 de outubro de 2020, convidando para o envio de contribuições até o dia 20 de dezembro no mesmo ano.

Mais surpresos ainda ficamos com o envio de uma proposta ao CES/CNE por parte de uma equipe composta por um coordenador e cinco consultores, datada de 01 de setembro de 2020, ou seja, um documento velado, com data anterior ao próprio chamamento da CES/CNE de 13 de outubro. A situação é ainda mais grave, pois a referida proposta não foi previamente discutida e debatida, de modo institucionalizado e por meio de consulta pública, entre os/as profissionais envolvidos com pesquisa e ensino de Geografia, de qualquer instituição formadora de nível superior no Brasil, que é o público ao qual a referida proposta mais interessa e afeta, ferindo gravemente a gestão democrática da educação. O fato de o documento apresentado não ter respaldo de qualquer coletivo constituído e representativo dos/as profissionais da área nos parece altamente questionável. Parece-nos igualmente questionável que os/as promotores/as dessa consulta pública, cujo objeto interessa à toda comunidade da Geografia, não tenham utilizado meios de divulgação mais amplos, passando pelas instâncias formais que administram os cursos de Geografia, por exemplo. Afinal, a quem interessa tal oportunismo?

Ao contrário, a comunidade geográfica tomou conhecimento de tal consulta por meios completamente informais – como grupos privados de mensagens via celular. Até o presente momento, não houve nenhum tipo de comunicação oficial às chefias de Departamento e Coordenações dos cursos de Graduação das universidades públicas e instituições de ensino superior privadas brasileiras, assim como não houve qualquer comunicação institucional a entidades representativas dos/as geógrafos/as como, por exemplo, a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Geografia (ANPEGE) e a Confederação Nacional de Entidades de Estudantes de Geografia (CONEEG).

Dito isso, reafirmamos o princípio da universidade pública, gratuita, laica, inclusiva, de qualidade e socialmente referenciada como sendo a principal instituição responsável pela formulação e construção do conhecimento de ciência e tecnologia para a sociedade, tendo como seu lastro maior o princípio da autonomia universitária. Destacamos, ainda, a impertinência dessa consulta diante do atual cenário nacional, marcado pela pandemia da COVID-19, que tem alterado profundamente a dinâmica das universidades e das arenas de diálogo e de decisão, tornando extremamente inoportuna e irresponsável qualquer iniciativa que, neste momento particular, questione os referenciais curriculares vigentes. Lembremos que, embora haja a flexibilização do distanciamento social por uma parcela da população e de algumas instituições no país, a pandemia ainda não acabou e mata centenas de brasileiros e brasileiras todos os dias.

Para além dos problemas aqui apontados, entendemos que a reformulação das diretrizes curriculares atuais deve ser fundamentada em um diagnóstico amplo e objetivo das suas qualidades e insuficiências, por meio de pesquisa científica qualificada. Ao contrário, o Parecer CES/CNE nº 334/2019, que institui a Orientação às Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos Superiores, não apresenta dados relacionados à formação e aos cursos de Geografia. Ademais, pressupõe a criação de DCNs considerando apenas as questões curriculares para explicar a evasão, sem uma investigação dos outros fatores que podem ser tão ou mais determinantes para justificar o fenômeno.

Portanto, antes mesmo de qualquer debate sobre reformulação de DCNs para qualquer curso, o Parecer deve ser reformulado de modo a abranger as várias formações acadêmicas e suas representações associativas e departamentos institucionais correlatos, bem como apresentar os demais fatores responsáveis pelo fenômeno da evasão.

Em relação ao documento produzido por um grupo de professores intitulado: “Orientação para as Diretrizes Curriculares de Geografia – Proposta Preliminar 1 (1º/9/2020)”, mesmo respeitando o direito desse grupo em se manifestar como tal, entendemos que se trata de um movimento equivocado pois, acima de qualquer outra consideração, aceitaram fazer parte de um processo centralizado e extemporâneo desde a sua gênese, conforme destacado acima. O fato desta chamada pública atender aos requisitos legais não significa que as condições para que ela se efetive e cumpra os seus objetivos estejam dadas. É importante insistir que sem a participação efetiva, ampla e irrestrita de docentes, e discentes e egressos de cursos de graduação e de pós-graduação, bem como das nossas entidades representativas (AGB, ANPEGE e CONEEG), tal consulta já nasce fadada ao fracasso, dado que não encontra qualquer respaldo ou legitimidade da comunidade geográfica brasileira.

Diante do exposto, expressamos o nosso repúdio à essa iniciativa levada a cabo pelo CNE, tanto no que se refere à sua forma quanto ao seu conteúdo. Não nos eximimos da discussão, mas manifestamos nosso descontentamento com a ausência de um debate amplo que envolva toda comunidade geográfica em momento oportuno para a participação segura e democrática de todos/as os que assim o desejarem.

Tendo em vista essas considerações, os abaixo assinados, reconhecendo o protagonismo que as universidades formadoras, as instituições científicas, as associações de representação e os profissionais e estudantes do campo da ciência geográfica devem assumir na condução e elaboração de qualquer proposta desta natureza, defendem:

1) A suspensão imediata do Edital de chamamento de 13 de outubro de 2020 e, por consequência, o cancelamento do cronograma vigente;

2) A reformulação do Parecer CES/CNE 334/2019, e o Projeto de Resolução nele contido, antes mesmo de um chamamento de proposta de DCN, ou seja, o próprio parecer deve ser posto em discussão e construído democraticamente por toda a comunidade interessada;

3) A suspensão e o arquivamento de qualquer contribuição que venha a ser enviada no âmbito da consulta pública em vigor, uma vez que não representam a diversidade da formação em Geografia no Brasil, tampouco as instituições formadoras e de representação;

4) O restabelecimento do debate público que garanta o princípio da pluralidade e da representatividade e que, nesse sentido, envolva as instituições formadoras de profissionais de Geografia, pesquisadores do campo da ciência geográfica, estudantes e egressos de cursos de graduação e pós-graduação, associações científicas nacionais de representação da comunidade geográfica, movimentos sociais e sindicais;

5) O estabelecimento de um amplo cronograma de discussão sobre o tema a ser iniciado somente após o fim da pandemia e a partir de sólidos diagnósticos regionais e nacionais acerca das realidades dos cursos de Geografia;

6) Que qualquer ajuste nos cursos decorrente da reformulação das DCNs seja resultado de ampla discussão, com garantia da autonomia universitária, e que haja provimento orçamentário com consequente destinação de recursos para tal finalidade.

Afirmamos que somos contrários a ações antidemocráticas e autoritárias que visam ditar as formas e os conteúdos de formação profissional da área de Geografia e que não representam a diversidade dos conhecimentos produzidos com notória qualidade pela comunidade geográfica brasileira e mundial. É necessário garantir um debate público e amplo com a participação de todos/as estudantes, profissionais, departamentos, cursos e entidades de Geografia.

São Paulo, 18 de dezembro de 2020.

Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)

Assinam este documento:

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